Maria e o convertido, por G. K. Chesterton

 

Capítulo do livro O Poço e os Charcos (The Wells and the Shallows)

Fui criado numa parte do mundo protestante cuja melhor descrição seria dizer que aqui chamavam a Santíssima Virgem de "a Madona". Às vezes, referiam-se a ela como "uma" Madona. Talvez fosse uma memória genérica da arte italiana - não era um lugar intolerante ou sem instrução, que chamasse todas as Madonas de ídolos ou todos os italianos de carcamanos. Mas essa era a expressão escolhida, talvez pelo instinto inglês de contemporizar tudo, de modo que se evitassem tanto a reverência quanto irreverência. Quando penso nisso, vejo como a expressão era curiosa. Equivalia a dizer que um protestante não pode chamar Maria de "Nossa Senhora", mas pode chamá-la de "Minha Senhora". Em abstrato, isso pareceria indicar uma familiaridade ainda mais íntima e mística do que a devoção católica. Não preciso, porém, nem sequer dizer que não era bem isso. Havia também aquele estranho evasionismo vitoriano de traduzir palavras perigosas ou impróprias para línguas estrangeiras. Mas também havia um respeito sincero, embora vago, pelo papel que as Madonas haviam desempenhado na história cultural e artística de nossa própria civilização. Decerto o inglês comum, com sua reverência habitual, jamais sonharia em desrespeitar aquela tradição - mesmo na época em que os ingleses eram ainda menos liberais, viajados e cultos do meus próprios pais. Decerto, por outro lado, o inglês comum não sabia que estava dizendo, literalmente, "Minha Senhora", e se que os alguém tivesse dito a ele que na verdade estava dizendo "a Minha Senhora" ou "uma Minha Senhora", ele teria concordado que soava um tanto estranho.

Não me esqueço, e na verdade seria muito ingrato de mim esquecer, que a moderação e o discernimento de minha família e amigos foi uma sorte, e que parte do mundo protestante consideraria essa moderação um sinal de protestantismo deficiente. Aquela estranha mania antimariolátrica; a vigilância louca sobre os mais remotos sinais de culto a Maria, como se fossem marcas de uma peste; a aparente presunção de que Maria perpétua e secretamente usurpa as prerrogativas de Cristo; a inferência lógica da presença da Mulher Escarlate da Babilônia ao mero vislumbre de um manto azul - nunca senti, soube ou entendi nada disso, mesmo quando criança; os que cuidaram da minha infância tampouco. Eles não sabiam nada sobre a Igreja Católica. Certamente sabiam que as pessoas do seu círculo provavelmente jamais pertenceriam a ela, mas sabiam que ideias nobres e belas haviam sido apresentadas ao mundo sob a forma daquela figura sagrada, como no passado foram sob a forma dos deuses ou heróis gregos. Mas, mesmo deixando de lado a hipótese de que a antiga atmosfera protestante era uma atmosfera ativamente anticatólica, ainda posso dizer que meu caso pessoal era um pouco curioso.

Decidi aqui escrever, precipitadamente, sobre um assunto ao mesmo tempo íntimo e arriscado; um assunto que deveria, por sua própria majestade, tornar impossível o solipsismo egoísta, mas que também torna impossível a escrita impessoal. "Maria e o Convertido" é o mais pessoal dos temas, porque a conversão é mais pessoal e menos corporativa do que a comunhão, e porque nela sentimentos isolados agem como uma introdução a sentimentos coletivos. Mas também porque o culto a Maria é, num certo sentido, um culto pessoal para além daquele sentido maior em que toda adoração pessoal se vincula a Deus. Deus é Deus, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. A Mãe de Deus está, de certa forma, conectada com as coisas visíveis, visto que ela é desta terra, e que por meio de seu corpo Deus foi revelado aos sentidos. Na presença de Deus, devemos nos lembrar do que é invisível, inclusive no sentido das coisas puramente intelectuais: as abstrações e as leis absolutas do pensamento, o amor à verdade e o respeito pela razão correta e pela lógica honrosa dos fatos, que o próprio Deus respeita. Pois, como Santo Tomás de Aquino insiste, nem Deus contradiz a lei da contradição. Nossa Senhora, porém, lembrando-nos mais propriamente do Deus Encarnado, em certo grau reúne e personifica todos os elementos do coração e dos instintos superiores que são os atalhos legítimos para o amor de Deus. Lidar com esses sentimentos íntimos, mesmo neste esboço rude e breve de ensaio, portanto, está longe de ser fácil. Espero não ser mal interpretado se o exemplo que escolhi for meramente pessoal, visto que esta parte específica da religião católica é justamente aquela que não pode ser impessoal. Talvez seja um acidente, ou um favor altamente imerecido do céu, mas de qualquer maneira é um fato: sempre tive um desejo curioso pelos vestígios da tradição mariológica, mesmo num mundo onde era considerada uma lenda. Eu não fui assombrado pela ideia apenas quando cheguei à fase habitual do ceticismo escolar. Ela me afetou antes disso, antes de abandonar a religião habitual das crianças de meu meio, na qual a Mãe de Deus não tinha lugar adequado. Não faz muito tempo, encontrei, rabiscados em péssima caligrafia, versos de uma imitação horrorosa de Swinburne, que, no entanto, pareciam estar dirigidos à imagem da Madona. Consigo me lembrar distintamente de recitar os versos do "Hino a Proserpina" pelo prazer de seu ritmo e ressonância, mas também de inverter deliberadamente o sentido original de Swinburne em minha mente, fingindo que eles se dirigiam à Rainha Cristã da vida, e não à Rainha Paga da morte.


Mas a ela ainda me volto, certo de seu triunfo no final; Deusa e donzela e rainha; aproxime-se, amiga maternal.

Daquele momento em diante, eu obscura e vagamente tive a ideia, depois cada vez mais clara, de defender tudo o que Constantino havia instituído, assim como o Pagão de Swinburne defendera tudo o que Constantino havia descartado.

Podemos notar ainda que o mundo não convertido, puritano ou pagão, mas talvez especialmente o puritano, tem uma noção muito estranha da unidade das múltiplas coisas ou ideias católicas. Seus expoentes, mesmo quando não são inimigos raivosos, dão as listas mais curiosas de coisas que eles acham constituir a vida católica; uma estranha variedade de objetos, como velas, rosários, incenso (eles sempre ficam impressionados com a suposta importância e necessidade do incenso), vestes, janelas pontiagudas, todos os itens essenciais ou não essenciais de uma ordem católica, e finalmente, jejuns, relíquias, penitências ou o próprio papa. Mas, mesmo em sua perplexidade, eles sentem uma necessidade que não é tão insensata quanto suas tentativas de satisfazê-la: a necessidade de que algo resuma "todas essas coisas" e descreva o catolicismo e apenas o catolicismo. O catolicismo deveria ser, é claro, descrito internamente, pela definição e desdobramento de seus primeiros princípios teológicos; mas não é disso que estou falando agora. Quero dizer que os homens precisam de uma imagem única, memorável, de contornos nítidos, uma imagem a ser evocada instantaneamente na imaginação, para que o que é católico possa ser distinguido do que apenas se afirma cristão ou até mesmo do que, em sentidos diversos ao nosso, também é cristão. Eu mal me lembro de uma época em que a imagem de Nossa Senhora não viesse à minha mente, de forma bem definida, lembrando todas as coisas arroladas acima. Eu vivia, então, muito distante e duvidoso delas; depois, em disputa mundana com elas; depois, em disputa comigo mesmo em relação a elas, pois assim é a pré-conversão. Mas mesmo que a figura parecesse distante, ou misteriosa, ou um escândalo para meus contemporâneos, ou um desafio para mim mesmo - eu nunca duvidei que ela fosse a figura da Fé; que ela encarnava, como um ser humano completo, embora apenas humano, tudo o que a Igreja tinha a dizer à humanidade. No instante em que me lembrava da Igreja Católica, lembrava-me dela; quando tentava esquecer a Igreja Católica, tentava esquecê-la; e quando finalmente entrevi algo mais nobre do que o meu destino, o mais livre e o mais difícil de todos os meus atos de liberdade, foi diante de uma pequena imagem dourada e linda no porto de Brindisi, e a ela prometi a mudança que fiz em mim quando voltei para minha terra.

Traduzido por Pedro Barroso.


0 Comentários